Por Enfoque Jurídico
“Nas sociedades regidas segundo a lei, a presunção universal é, ao revés, a de inocência” (RUI BARBOSA)
A Constituição assegura a todo cidadão o direito de falar, mas em respeito à dignidade da pessoa humana, está implícito também o direito de calar. Calar no processo, calar fora do processo, desde que o silêncio se constitua no direito de defesa.
Hoje o acusado – aquele sobre quem se levantam suspeitas, contra quem se erguem indícios ou a quem se apontam crimes indisfarçáveis, é vítima de um açodamento da mídia que torna difícil a sua defesa no processo, em relação ao qual o interesse de condenar começa por condenar a própria Justiça na sua morosidade. Às vezes essa morosidade procede, mas fora da regra normal, e na vida devemo-nos guiar pela regra e não pela exceção. A exceção nos leva melhor a refletir sobre a importância da regra.
A tortura medieval tem a sua história. A tortura moderna está fazendo a sua, usando novos instrumentos, novas técnicas, novos métodos.
É oportuno lembrarmos, a propósito, Nelson Hungria, o qual, falando dos torturadores, revela: “Mudaram de nome, pois, modernamente, atuam mais sobre a “vontade” dos arguidos. Quando não se chamam “palmatória”, “pau de arara”, “pinguim ou chanfalho”, denominam-se, enfaticamente, “soro de verdade”, “detector de mentiras”, “narcohipnose” ou “espionagem acústica”. De torturas não passam as “pesquisas” de hoje, quer quando tomam a forma de “truques de polícia”, quer quando se impõem como “provas de laboratório”. Umas – as físicas – são torturas bestiais; outras – as morais – são demoníacas charlatanices ensinadas pela chamada “psicologia experimental”, responsável, ultimamente, por muitas sentenças condenatórias”.
Está sendo comum, na televisão autoridades policiais aplicarem um instrumento de tortura dos mais requintados: a execração pública. Antes que a Justiça se pronuncie sobre o crime, estão condenados os acusados por antecipação e não há coisa mais degradante do que a tortura “coram populo”.
Esta execração pública antes de qualquer condenação é uma forma de tortura moral, essa demoníaca charlatanice de que fala Nelson Hungria, citado por Serrano Neves, no seu “O Direito de Calar”.
A tortura lançada na mídia, muitas vezes disfarçada na preservação do interesse público, revela o “sherlockismo” ávido de notoriedade à custa da honra do acusado.
Cesare Beccaria, autor do clássico “Dos Delitos e das Penas”, escrito em 1884, já dizia, numa atitude de respeito à imagem do acusado: ” Não se pode chamar um homem de réu antes da sentença do juiz, nem a sociedade pode retirar-lhe a proteção pública, senão quando tenha decidido que ele violou os pactos segundo os quais aquela proteção lhe foi outorgada”.
Na ordem dos atos que, normalmente, envolvem a condenação ou a absolvição do acusado, estão o que investiga (o policial), o que denuncia (o Ministério Público) e o que decide (o juiz). Se o que investiga ou acusa campeia de julgador e se este passa a julgar sob a influência dos outros, então a sentença se transforma em ardil e o acusado em vítima de injustiça irreparável.
A Constituição não esqueceu Beccaria ao dizer (art. 5°, LVII): “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória”.
A sociedade organizada democraticamente exige o respeito à Constituição.
COELHO, Celso Barros. ÉTICA EM PRIMEIRO LUGAR.
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